Biosofia nº4 - Inverno de 1999
Vidas Maiores
O Serviço de Alice Bailey
Nascida na Inglaterra vitoriana do final do Séc. XIX, e falecida em Nova Iorque em 1949, Alice Bailey, uma grande servidora da Humanidade, deixou assentes as bases de um movimento conducente a uma nova cultura de valores espirituais, além de situar de uma forma ordenada e credível a existência e o trabalho dos Mestres de Sabedoria de todos os povos e de fundar a "Escola Arcana", que visa a formação e a preparação de discípulos aptos para o Serviço às necessidades mundiais.
Descrever a vida de Alice Ann Bailey é narrar uma existência plena de trabalho, esforço e abnegação.
Nascida em 1880 em Manchester, no seio de uma família abastada, muito cedo ficou orfã de pai e mãe, passando a estar (juntamente com o seu irmão) ao cuidado de uma tia.
Ainda que nunca lhe tenha faltado nada, não soube adaptar-se ao convencionalismo social da sua época. Quando, aos 20 anos, se tornou independente, logo se começaram a manifestar rasgos do carácter empreendedor e idealista que possuía.
Trabalhou em diferentes obras cristãs para jovens e via, então, toda a experiência de Deus unicamente através do prisma dogmático dessa particular religião, que vivenciava de modo quase fanático. O ingresso de Alice Bailey, como trabalhadora voluntária, nos Lares para Soldados que haviam sido criados pela filantropia da Sra. Elise Sandes, constituiu um marco na sua vida. Aí, para além de desempenhar os rotineiros trabalhos domésticos, dirigia sessões e sermões evangélicos, visto se achar tão segura das crenças religiosas que na época professava.
O labor que desenvolvia levou-a a viajar até à Índia, a fim de tomar a cargo várias das suas delegações. Tal representou um elemento essencial na sua forma de encarar o Divino.
Depois de um desafortunado primeiro matrimónio, de que teve três filhas, e que suscitou a sua ida para os Estados Unidos, conheceu Foster Bailey (em 1919). Este viria a ser seu marido, com-panheiro inseparável e principal ajudante na imensa obra que, a partir de então, assumiriam conjuntamente.
Durante 30 anos, Alice Bailey escreveu (24) livros - que somam vários milhares de páginas -, proferiu centenas de conferências, atendeu a uma multidão de pessoas e, até ter cumprido a totalidade da sua obra, sobrepôs-se a um estado de saúde constantemente precário. Morreu a 15 de Dezembro de 1949, rodeada do carinho dos milhares de pessoas que beneficiaram do seu trabalho. Na tarde desse mesmo dia, afirmara: "Tenho muito que agradecer. Vivi uma existência rica e plena. Inumeráveis pessoas em todo o mundo foram muito bondosas para mim".
Os Livros
Alice Bailey sempre disse que, desde o momento em que com ela (ainda na sua adolescência) se encontrou um "senhor de porte oriental", mais tarde identificado como o grande Instrutor Koot-Hoomi, tinha plena consciência de pertencer a um grupo de discípulos. Na sua "Autobiografia Inacabada", escreveu: "Quero que os Mestres de Sabedoria sejam reais para o mundo, tal como o são para mim e para muitos milhares de pessoas em todo o planeta".
No entanto, o trabalho literário de Alice Bailey foi realizado, numa grande parte, em colaboração (e sobre a direcção) de um outro grande Instrutor Espiritual, chamado Djwhal Khul ou, como é conhecido mais comummente (dada a sua procedência geográfica), "O Tibetano".
Esta obra grandiosa, pelo seu volume e pela informação proporcionada, começou com o livro "Iniciação, humana e Solar", no qual se transmite a realidade da existência da Hierarquia de Mestres de Sabedoria, a que aludem (sob diferentes nomes) as diversas grandes religiões e a que, modernamente, já se haviam referido Helena Petrovna Blavatsky e outros autores da Sociedade Teosófica.
Da colaboração acima referida, que se prolongou durante três décadas, surgiram outros títulos como "A Luz da Alma"- um comentário sobre "Os Aforismos de Yoga" de Patanjali, texto de grande antiguidade e sabedoria tradicional - "Um Tratado sobre os Sete Raios" - obra em 5 volumes, na qual se versam temas tão variados como a psicologia, a cura e a astrologia (não no sentido popularmente conhecido, o qual é uma pura desvirtuação profana e exotérica mas, sim, no sentido profundo, ou seja, esotérico) e, ainda, o caminho da iniciação e suas regras -, "Problemas da Humanidade", "A Exteriorização da Hierarquia", "Discipulado na Nova Era" (2 volumes), etc.
Justifica uma menção à parte o livro "Um Tratado sobre Fogo Cósmico", que se apresenta como uma continuação, fundamentalmente numa perspectiva psicológica, de "A Doutrina Secreta", de H.P.Blavatsky (a quem, em justiça, o mundo nunca poderá pagar a portentosa obra que realizou para a Humanidade). "Um Tratado sobre Fogo Cósmico" é um trabalho de extraordinário volume (mais de 1.200 páginas no original em Inglês), em que se explana o vasto esquema da manifestação e da evolução universal.
Em geral, pode dizer-se que a obra escrita por Alice Bailey representa um marco notável na espiritualidade do século XX, pela ingente quantidade de conhecimento aportado e pela raríssima clareza de expressão, constituindo um quase inesgotável manancial de esclarecimento das grandes e eternas verdades que subjazem ao ensinamento religioso de todas as épocas e de todas as culturas.
Aborda, em simultâneo, temas de invulgar profundidade filosó-fica e questões de imediato interesse prático, transportando um repetido apelo ao serviço sério, inteligente e persistente à causa do verdadeiro progresso da Humanidade e alertando contra os perigos do astralismo ilusório e do psiquismo inferior.
A Escola Arcana
Em 1923, juntamente com o marido (Foster Bailey) e alguns estudantes, AAB criou a Escola Arcana, a que presidiu o conceito de gerar um centro onde os respectivos membros tivessem plena liberdade e não se vissem obrigados a fazer juramentos nem a contrair compromissos; o que, sim, lhes proporciona a referida Escola é a meditação, estudos e ensinamento esotéricos, concedendo liberdade para fazer os seus próprios ajustes e interpretar a verdade de acordo com a natureza e a capacidade própria de cada um.
Na Escola Arcana (que ainda hoje continua a transmitir ensinamento a quem o solicite), não se exige obediência a ninguém ou, tão pouco, a Mestre algum. Em contrapartida, enfatiza-se a existência do Mestre no Coração ("Cristo em nós", como lhe chamava São Paulo), da Alma, do verdadeiro homem espiritual dentro de cada ser humano. Do mesmo modo, não se criam impedimentos a que os estudantes trabalhem em qualquer outro grupo, nomeadamente espiritualista ou religioso; apenas se lhes pede que considerem essa actividade como um campo de serviço a favor da Humanidade.
Boa Vontade Mundial
Uma das mais conhecidas actividades de Alice A. Bailey e Foster Bailey foi a de lançar o movimento de Boa Vontade Mundial (World Goodwill).
Surgiu no período entre as duas grandes guerras mundiais, quando na Europa e nos Estados Unidos da América se gerou um forte ideal pacifista. A Boa Vontade Mundial (BVM), movimento que ainda existe e exerce a sua benéfica influência, fundou-se com o objectivo de congregar vontades, sentimentos e pensamentos de todas aquelas pessoas que tinham e têm a convicção de que os problemas com que se defronta a Humanidade podem ser solucionados através do diálogo, da cooperação e da aplicação da boa vontade - não uma boa vontade passiva, ingénua ou débil mas, sim, forte e enérgica, com toda a carga que está inerente a actuar com o ideal da união e não destruição, fusão e não sectarismo, amor e não ódio.
Curiosamente, produziu-se um desentendimento entre o trabalho da Boa Vontade Mundial e do movimento pacifista, uma vez que este último não compreendeu que a BVM tomasse partido a favor dos Aliados em plena 2ª Guerra Mundial, quando todas as tentativas de negociação já haviam fracassado. O movimento pacifista propugnava a neutralidade total no conflito (mesmo enquanto a Alemanha e o Japão massacravam países e minorias étnicas); a BVM entendia que os Aliados representavam, pelo menos parcialmente, os valores da democracia, liberdade, igualdade e dignidade humana, pelo que sustentou e defendeu a sua causa.
Nos nossos dias, a Boa Vontade Mundial goza do reconhecimento das Nações Unidas, com as quais colabora, e congrega milhares de pessoas (em todo o mundo) que consideram que a Humanidade pode resolver os seus problemas conformemente aos princípios de Amor e Fraternidade, denunciando que o ódio, o separatismo e o egoísmo representam as maiores ameaças para o desenvolvimento mundial.
Conclusão
Alice Bailey foi, como vários outros grandes vultos, um instrumento de descodificação das leis universais. A expensas da sua reputação, dos benefícios e do prestígio da sua classe social e, inclusive, da saúde física, levou por diante um enorme trabalho de divulgação dos princípios espirituais que regem o mundo, nomeadamente:
- Que existe um Deus Transcendente mas que também é Imanente em todo o Universo, podendo os seres humanos expressar em si mesmos os três aspectos da Divindade (Conhecimento, Amor e Vontade);
- Que o Universo se rege pela Lei de Causa e Efeito (conhecida no Oriente por Lei do Karma), que tem por fim equilibrar as forças em toda a manifestação;
- Que o Universo se aperfeiçoa cons-tantemente, através das miríades de elementos (como nós) que o compõem, e que essa é uma Lei de Evolução a que nenhum Plano de Manifestação (ou Mundo) se subtrai;
- Que o processo de levar a cabo essa evolução é regido pela Lei de Renascimento, sob a qual as cons-ciências, cada vez mais desenvolvidas, de todos os elementos que compõem o Universo se vão aperfeiçoando através do acúmulo de experiências nas sucessivas manifestações ou existências. `
Alice Bailey foi, assim, mais um elo na interminável cadeia de grandes vidas que, sem nada pedir em troca, trazem Conhecimento e Inspiração à Humanidade.
Javier Martinez
Licenciado em Direito; Professor Universitário em Madrid; Dirige uma das delegações do CLUC em Espanha.